14 de jul. de 2011

São João no Arraial do Junco


Já faz alguns dias em que não posto no Blog, devido a falta de tempo e como ainda ando muito ocupada resolvi postar um texto que foi postado no Blog Onde canta a Acauã no dia 15 de junho de 2009, por Ronaldo Torres ( Tom do Junco). Tom é uma pessoa que me ajudou muito abrindo espaço em seu blog, permitindo meus textos serem publicados lá, e este texto é um deles no qual ele com sua sabedoria e experiência o aperfeiçoou.
De todos que eu já escrevi este é o que mais me emociona:

São João no Arraial do Junco

Há dois meses tirei férias do trabalho. Para meu azar, era um mês cheio de feriados: Páscoa, Tiradentes, Paixão de Cristo. Quando o mês terminou, pernas pro ar que ninguém é de ferro: Maio começou com o feriado do Dia do Trabalho, emendado com o fim de semana. Resumo da ópera: em abril as passagens aéreas estiveram em alta por causa dos feriadões e seus valores estavam fora do meu orçamento. Mesmo querendo ver “mainha”, na Bahia, tive que passar minhas férias em casa.
Ah! Que saudade do Velho Junco! É assim que meu amigo Tom a chama: Velho Junco. Lembro-me de quando a minha mãe e eu voltávamos da “rua”, passávamos pelo Cruzeiro dos Montes e eu morria de medo de olhar para ele. A minha mãe dizia que ali era o reduto das almas penadas e por isso eu teria que voltar cedo quando ia à rua. Antes do pôr do sol eu estava em casa recuperando o fôlego depois da corrida ao passar pelo Cruzeiro.
Acreditei nas almas penadas até o dia que criei coragem e o encarei: vi apenas velas acesas em pedidos ou pagamentos de promessas. Então entendi: a minha mãe usava de tal artimanha para me fazer voltar cedo para casa.
Ah! Que saudade! Flagro-me nas lembranças. Fecho os olhos e sinto o cheiro de terra molhada pelo orvalho da manhã, escuto o canto do bem-te-vi, o carro de boi passando na estrada, o vaqueiro aboiando:
“minha mãe quando eu morrer, me enterre no tabuleiro
No sinal da minha cova um lindo e belo cruzeiro,
“Pra que possam se lembrar que eu era um bom vaqueiro”
“Ê boi ê ê”


Às três horas da tarde corria até a janela para ver se o ônibus de Serrinha pararia na cancela e algum parente de São Paulo descia dele. Mas o ônibus passava direto, deixando poeira e frustração.
Minha avó Lorita percebia meu desapontamento e começava a dançar e cantar suas cantigas com a intenção de me alegrar. Puxava-me pelo braço me fazendo seguir seus passos cantando uma canção que eu adorava:
“Mandei pegar meu cavalo é hora de viajar
Peguei na mão da morena ela se pôs a chorar
Não chore não moreninha, eu vou tornar voltar
“Me de um aperto de mão para de mim se lembrar”
No final, com seus olhos lacrimejando, ela olhava nos meus como se soubesse que mais cedo ou mais tarde eu ia embora. Com a voz tremulam finalizava:
– Mislene, quando tu fores, me leva que eu vou.


Eu a amava! Ela me enchia de mimos, principalmente quando eu escrevia suas cartas. Ela dizia que eu escrevia com a alma e o coração. Sofri muito com sua morte, não tivemos tempo para despedidas. Eu piquei esporas no meu cavalo e não a levei como ela pedia em suas cantigas.
Cantigas que marcaram épocas no meu convívio na pequena cidade do Junco. Lembro-me que nos finais de semana eu ia dormir na casa de minha tia Cleide, na Barroca Dantas, onde meu avô tinha algumas tarefas de terra. À tardezinha minha tia ia varrer o terreiro, com uma vassoura de palhas de coqueiro. Ela varria, a poeira subia e juntas cantávamos:
“Eu tinha meu machadinho foi pro mato se perdeu
Eu tinha meu machadinho foi pro mato se perdeu
O meu amor é melhor do que o teu
Melhor do que o teu,
Melhor do que o teu”

Que saudade danada!
Nas noites de lua cheia meus avós, minha mãe, meu irmão e eu sentávamos em um banco no avarandado, a luz do luar clareando o terreiro, e meu avô Adelino Lopes, contagiado pela beleza da noite, contava historias de sua mocidade e brincava de adivinhação. De vez em quando um sapo pulava, um grilo cantava, fazia-se um silencio e logo meu avô o quebrava:
– Mirlene – era assim que ele me chamava, trocando o “s” pelo “r” – O que é o que é: uma caixinha de bom parecer nem todo mestre sabe fazer?

Meu avô com seus poucos cabelos, brancos como neve, sem saber, muito me ensinou e eu, sem querer, com ele muito aprendi. Faz 12 anos que ele faleceu e tudo que herdei foram as lembranças de minha infância.
Preciso retornar a essa terra que um dia foi chamado de Junco e hoje é Sátiro Dias. Rever meus amigos, conhecer pessoalmente os virtuais, e sei que todos estarão reunidos na grande festa joanina realizada na cidade. Quero relembrar os velhos tempos! E que tempos eram aqueles e que se prolonga até hoje: festa de São João, com o tradicional Casamento da Rosinha, pau de sebo, corrida de jegue, gincanas, cavalgada, quadrilha, fogueira e à noite um forró prá lá de bom.
São ou não são motivos para se definhar de tristeza e se morrer de vontade de comer um milho assado na fogueira ao sabor do digestivo e gostoso licor de jenipapo, ao som da zabumba, da sanfona e do triângulo?
No próximo ano eu vou, nem que tenha que sair daqui no lombo de um jegue.

PS:
A foto é do cruzeiro em que me refiro no texto.

Ouvindo:


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14 de jul. de 2011

São João no Arraial do Junco


Já faz alguns dias em que não posto no Blog, devido a falta de tempo e como ainda ando muito ocupada resolvi postar um texto que foi postado no Blog Onde canta a Acauã no dia 15 de junho de 2009, por Ronaldo Torres ( Tom do Junco). Tom é uma pessoa que me ajudou muito abrindo espaço em seu blog, permitindo meus textos serem publicados lá, e este texto é um deles no qual ele com sua sabedoria e experiência o aperfeiçoou.
De todos que eu já escrevi este é o que mais me emociona:

São João no Arraial do Junco

Há dois meses tirei férias do trabalho. Para meu azar, era um mês cheio de feriados: Páscoa, Tiradentes, Paixão de Cristo. Quando o mês terminou, pernas pro ar que ninguém é de ferro: Maio começou com o feriado do Dia do Trabalho, emendado com o fim de semana. Resumo da ópera: em abril as passagens aéreas estiveram em alta por causa dos feriadões e seus valores estavam fora do meu orçamento. Mesmo querendo ver “mainha”, na Bahia, tive que passar minhas férias em casa.
Ah! Que saudade do Velho Junco! É assim que meu amigo Tom a chama: Velho Junco. Lembro-me de quando a minha mãe e eu voltávamos da “rua”, passávamos pelo Cruzeiro dos Montes e eu morria de medo de olhar para ele. A minha mãe dizia que ali era o reduto das almas penadas e por isso eu teria que voltar cedo quando ia à rua. Antes do pôr do sol eu estava em casa recuperando o fôlego depois da corrida ao passar pelo Cruzeiro.
Acreditei nas almas penadas até o dia que criei coragem e o encarei: vi apenas velas acesas em pedidos ou pagamentos de promessas. Então entendi: a minha mãe usava de tal artimanha para me fazer voltar cedo para casa.
Ah! Que saudade! Flagro-me nas lembranças. Fecho os olhos e sinto o cheiro de terra molhada pelo orvalho da manhã, escuto o canto do bem-te-vi, o carro de boi passando na estrada, o vaqueiro aboiando:
“minha mãe quando eu morrer, me enterre no tabuleiro
No sinal da minha cova um lindo e belo cruzeiro,
“Pra que possam se lembrar que eu era um bom vaqueiro”
“Ê boi ê ê”


Às três horas da tarde corria até a janela para ver se o ônibus de Serrinha pararia na cancela e algum parente de São Paulo descia dele. Mas o ônibus passava direto, deixando poeira e frustração.
Minha avó Lorita percebia meu desapontamento e começava a dançar e cantar suas cantigas com a intenção de me alegrar. Puxava-me pelo braço me fazendo seguir seus passos cantando uma canção que eu adorava:
“Mandei pegar meu cavalo é hora de viajar
Peguei na mão da morena ela se pôs a chorar
Não chore não moreninha, eu vou tornar voltar
“Me de um aperto de mão para de mim se lembrar”
No final, com seus olhos lacrimejando, ela olhava nos meus como se soubesse que mais cedo ou mais tarde eu ia embora. Com a voz tremulam finalizava:
– Mislene, quando tu fores, me leva que eu vou.


Eu a amava! Ela me enchia de mimos, principalmente quando eu escrevia suas cartas. Ela dizia que eu escrevia com a alma e o coração. Sofri muito com sua morte, não tivemos tempo para despedidas. Eu piquei esporas no meu cavalo e não a levei como ela pedia em suas cantigas.
Cantigas que marcaram épocas no meu convívio na pequena cidade do Junco. Lembro-me que nos finais de semana eu ia dormir na casa de minha tia Cleide, na Barroca Dantas, onde meu avô tinha algumas tarefas de terra. À tardezinha minha tia ia varrer o terreiro, com uma vassoura de palhas de coqueiro. Ela varria, a poeira subia e juntas cantávamos:
“Eu tinha meu machadinho foi pro mato se perdeu
Eu tinha meu machadinho foi pro mato se perdeu
O meu amor é melhor do que o teu
Melhor do que o teu,
Melhor do que o teu”

Que saudade danada!
Nas noites de lua cheia meus avós, minha mãe, meu irmão e eu sentávamos em um banco no avarandado, a luz do luar clareando o terreiro, e meu avô Adelino Lopes, contagiado pela beleza da noite, contava historias de sua mocidade e brincava de adivinhação. De vez em quando um sapo pulava, um grilo cantava, fazia-se um silencio e logo meu avô o quebrava:
– Mirlene – era assim que ele me chamava, trocando o “s” pelo “r” – O que é o que é: uma caixinha de bom parecer nem todo mestre sabe fazer?

Meu avô com seus poucos cabelos, brancos como neve, sem saber, muito me ensinou e eu, sem querer, com ele muito aprendi. Faz 12 anos que ele faleceu e tudo que herdei foram as lembranças de minha infância.
Preciso retornar a essa terra que um dia foi chamado de Junco e hoje é Sátiro Dias. Rever meus amigos, conhecer pessoalmente os virtuais, e sei que todos estarão reunidos na grande festa joanina realizada na cidade. Quero relembrar os velhos tempos! E que tempos eram aqueles e que se prolonga até hoje: festa de São João, com o tradicional Casamento da Rosinha, pau de sebo, corrida de jegue, gincanas, cavalgada, quadrilha, fogueira e à noite um forró prá lá de bom.
São ou não são motivos para se definhar de tristeza e se morrer de vontade de comer um milho assado na fogueira ao sabor do digestivo e gostoso licor de jenipapo, ao som da zabumba, da sanfona e do triângulo?
No próximo ano eu vou, nem que tenha que sair daqui no lombo de um jegue.

PS:
A foto é do cruzeiro em que me refiro no texto.

Ouvindo:


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